Empresa em RECUPERAÇÃO JUDICIAL deve ser dispensada de apresentar CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS em LICITAÇÕES?

Empresa em RECUPERAÇÃO JUDICIAL deve ser dispensada de apresentar CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS em LICITAÇÕES?

Recuperação Judicial Licitações
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A Recuperação Judicial tem como objetivo maior salvar a empresa em dificuldades financeiras e para que isso ocorra, naturalmente, deve a empresa continuar a exercer suas atividades, contratando com particulares e com o Poder Público. Ocorre que, para participar de licitações, as empresas precisam apresentar suas Certidões Negativas de Débitos, o que geralmente é impossível para a empresa em Recuperação Judicial.

Surge então um questionamento relevante: É viável à empresa em recuperação participar de licitações com o Poder Público sem apresentar certidões negativas, embora a Lei expressamente diga que isso não é possível?

A resposta, em nosso sentir, é positiva. Isto porque, embora o art. 52, II da Lei de Recuperação Judicial e Falência estabeleça que a empresa em recuperação fica dispensada de apresentar CND exceto quando contrata como Poder Público tal exigência deve ser lida em consonância com todo o sistema recuperacional e, em especial com o princípio da preservação da empresa.

Fato é que grande parte das empresas que ingressam com pedido de recuperação judicial possuem elevado passivo fiscal, muitas vezes impagável sem um plano de parcelamento que as trate de forma privilegiada ou ao menos justa.

Frente a tal cenário, impedir a empresa em recuperação de contratar com o Poder Público sem dispensa das certidões negativas pode implicar na absoluta impossibilidade de sua recuperação, o que certamente prejudicaria não apenas a empresa, mas também a todos os credores, funcionários e à sociedade como um todo.

O Tribunal de Justiça de São Paulo em diversos casos apresentou entendimento alinhado com tais argumentos, como no acórdão proferido no dia 07/07/2020:

RECUPERAÇÃO JUDICIAL. A competência para decidir sobre a penhora realizada na execução individual é do juízo da recuperação judicial. Do contrário, ao se possibilitar o pagamento de credores concursais por meio de ações individuais, há violação ao princípio da par conditio creditorum. Prevalece a orientação de abrandamento da regra do art. 52, II, da Lei 11.101/2005 quando isso for necessário ao soerguimento da empresa. Vale dizer, dispensa das certidões para participação em licitações que se insere na competência do juiz da recuperação judicial e que se justifica para permitir a continuidade das atividades e prestígio ao princípio da preservação da empresa. Não se trata, pois, de uma dispensa geral e irrestrita, como pediu a agravante, mas verificada em cada caso. Recurso parcialmente provido.
(TJ-SP - AI: 22154839120198260000 SP 2215483-91.2019.8.26.0000, Relator: Gilson Delgado Miranda, Data de Julgamento: 07/07/2020, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 07/07/2020)

O Superior Tribunal de Justiça de forma mais firme, vem sedimentando a possibilidade de dispensa das certidões negativas, senão vejamos:

ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PARTICIPAÇÃO. POSSIBILIDADE. CERTIDÃO DE FALÊNCIA OU CONCORDATA. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. DESCABIMENTO. APTIDÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA. COMPROVAÇÃO. OUTROS MEIOS. NECESSIDADE. (...) 4. Inexistindo autorização legislativa, incabível a automática inabilitação de empresas submetidas à Lei n. 11.101/2005 unicamente pela não apresentação de certidão negativa de recuperação judicial, principalmente considerando o disposto no art. 52, I, daquele normativo, que prevê a possibilidade de contratação com o poder público, o que, em regra geral, pressupõe a participação prévia em licitação. 5. O escopo primordial da Lei n. 11.101/2005, nos termos do art. 47, é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. 6. A interpretação sistemática dos dispositivos das Leis n. 8.666/1993 e n. 11.101/2005 leva à conclusão de que é possível uma ponderação equilibrada dos princípios nelas contidos, pois a preservação da empresa, de sua função social e do estímulo à atividade econômica atendem também, em última análise, ao interesse da coletividade, uma vez que se busca a manutenção da fonte produtora, dos postos de trabalho e dos interesses dos credores. 7. A exigência de apresentação de certidão negativa de recuperação judicial deve ser relativizada a fim de possibilitar à empresa em recuperação judicial participar do certame, desde que demonstre, na fase de habilitação, a sua viabilidade econômica. 8. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial. (AREsp 309.867/ES, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 08/08/2018)

Deste modo, entendemos que a empresa em recuperação deve sim ser dispensada de apresentar certidões negativas quando contrata com o Poder Público, em linha com o princípio da preservação da empresa, desde que, evidentemente, não haja abuso e que a empresa efetivamente demonstre ter capacidade de assumir o objeto licitado, ainda que sob dificuldades financeiras.

Dr. Paulo André M. Pedrosa

Advogado sócio do escritório Battaglia & Pedrosa. É graduado pelo Mackenzie, mestre (LL.M. Master of Laws) em Direito Societário pelo INSPER, mestrando em Direito dos Negócios pela FGV/SP e especialista em Processo Civil pela PUC/SP. Tem formação executiva em Recuperação Judicial e Falências pela FGV/SP e em Contratos pela Harvard Law/USA.

Contato: pauloandre@bpadvogados.com.br

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