Figura frequente nos contratos de M&A, a cláusula de sandbagging pode ter sua validade questionada em contratos regidos pela legislação brasileira.
Cláusula de Sandbagging
Muito comum em contratos de M&A, a cláusula de SANDBAGGING foi importada do direito norte-americano e basicamente visa autorizar (cláusula pro-sandbagging) ou impedir (clausula anti-sandbagging) que o comprador, após o fechamento do negócio (closing), se valha de uma cláusula de declaração ou garantia (representations and warranties), para buscar indenização decorrente de uma violação da qual teve ciência antes do fechamento da operação.
Hipóteses
Imagine-se a hipótese na qual o vendedor declare em contrato, no signing, que a empresa não possui passivos fiscais. Porém o comprador, no curso da due diligence descobre que em verdade existem passivos fiscais que nem o vendedor tinha ciência.
Tem o comprador a obrigação de informar ao vendedor sobre tal passivo, renegociando eventualmente o preço da aquisição, ou pode ficar silente, alegando tal vício apenas após o fechamento do negócio, passando a cobrar então multas contratuais previstas para a hipótese de violação das representations and warranties?
É justamente esta circunstância que as partes visam solucionar com a adoção de uma cláusula pro ou anti sandbagging, autorizando ou não o comprador a ter tal conduta pós closing.
Aplicação no Brasil da Cláusula Sandbagging
Mas se tal cláusula, nem nos Estados Unidos é amplamente aceita (na California prevalece a interpretação anti-sandbagging, enquanto em Nova York e em Delaware prevalece a regra pro-sandbaggingg), a questão fica ainda mais complexa quanto esta situação é “importada” para operações regidas pela lei brasileira
Isto porque, a validade de tais cláusulas, em especial da pro-sandbagging deve passar pela análise de regras de natureza cogente previstas no Código Civil, em especial a boa-fé objetiva, prevista no Art. 422, e que expressamente determina que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato como em sua execução os princípios de probidade e boa-fé”
O cotejo da necessária observância da boa-fé objetiva com a postura do comprador que “oculta” a ciência de uma violação às representations and warranties para em seguida buscar uma indenização parece de fato apontar a priori para a invalidade da cláusula pró-sandbagging entre nós.
Princípio non venire contra factum proprium
Também poderia ser invocado o princípio amplamente aceito por nossa jurisprudência do non venire contra factum proprium, ou a vedação dos comportamentos contraditórios, pois se o comprador assinou o contrato mesmo sabendo da violação às representations and warranties é porque naturalmente renunciou ao direito de reclamá-las.
Por outro lado, não se olvida que a chamada Lei da Liberdade Econômica expressamente passou a determinar (art. 421-A do Código Civil) que os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, devendo se garantir às partes o direito de definir os parâmetros de interpretação das cláusulas contratuais, pressupostos de revisão ou de resolução, somente se procedendo revisão contratual em casos excepcionais.
Tal modificação legislativa que, obviamente traz novo fôlego ao vergastado princípio da pacta sunt servanda (os pactos devem ser cumpridos) certamente poderá ser utilizada como argumento para alçar validade à cláusula pro-sandbagging.
Resolução por arbitragem
Fato é que a questão da validade da sandbagging ainda não foi diretamente enfrentada por nossos tribunais, até porque grande parte destes conflitos acabam sendo resolvidos por arbitragem, sem que o mercado conheça qual foi o entendimento adotado face ao sigilo inerente a tais julgamentos.
Portanto, é preciso que as partes, ao negociarem sobre o manto da legislação brasileira, estejam cientes de que há efetiva insegurança jurídica no momento sobre a validade ou não da sandbagging, sendo impossível se afirmar com certeza que tais previsões contratuais serão mantidas em eventual litígio. Esta incerteza deve ser levada em consideração na negociação, sob pena de avaliar de modo incorreto os riscos da operação e naturalmente sua precificação.
Paulo André M. Pedrosa
Autor da coluna “Direito & Negócios”, advogado do Battaglia & Pedrosa Advogados. Graduado em Direito pelo Mackenzie. Pós-graduado em Processo Civil pela PUC-SP. LL.M em Direito Societário pelo INSPER. Mestrando em Direito dos Negócios pela FGV-SP.
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