Importação das Cláusulas MAC, SANDBAGGING e HARDSHIP típicas das operações empresariais M&A para os contratos de operações imobiliárias

Importação das Cláusulas MAC, SANDBAGGING e HARDSHIP típicas das operações empresariais M&A para os contratos de operações imobiliárias

contratos de operações imobiliárias

Contratos Operações Imobiliárias

A demanda imobiliária vem crescendo ao longo dos anos com maior aceleração nos centros urbanos por força do próprio desenvolvimento das cidades e crescimento demográfico. Mesmo com alguns intervalos causados por crises econômicas, vê-se que, diante da pandemia da Covid-19, a indústria imobiliária apresenta números positivos em larga oferta de novos empreendimentos residenciais, a exemplo do que ocorre atualmente na Cidade de São Paulo

Nas últimas décadas, a legislação também contribuiu para o desenvolvimento econômico do setor, a exemplo do programa “Minha Casa, Minha Vida” para a população de baixa renda e, também, com o advento da Lei 9.514/1997, que introduziu o instituto da alienação fiduciária de coisa imóvel, dinamizando as garantias do crédito imobiliário e simplificando a forma de cobrança, além da rescisão por inadimplemento do comprador e retomada da posse do bem imóvel. Também instituiu a securitização de créditos imobiliários mediante a emissão de CRI – Certificado de Recebíveis Imobiliários, fomentando o setor.

A captação de recursos para empreendimentos imobiliários se popularizou como uma nova forma de investimento, no qual o investidor tem a opção de participar de operações de grande porte, inclusive com benefícios fiscais e maior liquidez, por meio dos FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO (FII). Com mais crédito disponível a um menor custo de captação, várias incorporadoras aumentaram seu volume construtivo; o que repercutiu também nas diversas fusões e aquisições das empresas do setor e movimentos de abertura de capital na bolsa de valores destas companhias (IPO). Neste cenário o presente trabalho tem como escopo traçar um paralelo entre as cláusulas já conhecidas na área de Merge & Aquisition e sua aplicabilidade nos contratos de operações imobiliárias, especificamente as cláusulas MAC – MATERIAL ADVERSE CHANGE, SANDBAGGING e HARDSHIP. Na estruturação dos contratos entre a incorporadora e o “terrenista” (proprietário da área onde será erigido o empreendimento) estas figuras jurídicas podem ser adaptadas e gerar significantes benefícios no sentido de regular condutas e procedimentos tendo como objetivo final dirimir controvérsias ao longo da execução do contrato de permuta imobiliária ou compra e venda.

Não se pode perder de vista que a estruturação de um empreendimento imobiliário seja para loteamento de área, seja para a construção de edifícios residenciais e/ou comerciais, incluindo-se nisto os mais modernos empreendimentos que conjugam prédios residenciais com escritórios e centros comerciais, demandam uma estrutura de contratos com cláusulas suspensivas e resolutivas por força dos elementos externos e intrínsecos que podem impedir ou alterar o curso do projeto a ser desenvolvido, razão pela qual os contratos celebrados perpassam pelo contrato preliminar (opção de compra com exclusividade e compromisso particular de compra e venda/permuta) até o contrato principal e definitivo de transferência da propriedade (escritura pública de transferência aliado a instrumento de confissão de dívida, escritura complementar de dação em pagamento e contratos de garantia com terceiros – Bancos/Seguradoras).

São comuns crises no cumprimento das obrigações contratuais diante de uma universalidade de condições a serem avaliadas e superadas, não só com relação aos elementos fáticos mas também jurídicos e, assim, busca-se cada vez mais importar experiências de cláusulas e modelos contratuais de outras áreas do direito e jurisdições anglo-saxônicas (contract law) que tragam soluções jurídicas para composição de conflitos entre as partes como alternativa à resolução contratual, afinal estas operações são de longo trato de modo que os instrumentos contratuais deverão regular mecanismos de composição e até ajuste de preço na hipótese de fato superveniente capaz de alterar as condições comerciais iniciais.

Assim como na aquisição de empresas, a partir de determinados momentos se torna inviável às partes o retorno ao status quo ante, notadamente, para o negócio imobiliário, após as seguintes etapas, por exemplo: i) transferência da posse; ii) transferência da propriedade; iii) início das obras; iv) pagamentos de impostos de transação; v) emissão dos alvarás pelos diversos órgãos públicos; vi) compensações ambientais, dentre outros.

Este modelo de negócio também está sujeito às adversidades que impactam no cumprimento das obrigações contratuais ao longo do tempo, pois, na maioria das vezes, são contratos de trato longo, como dito, admitindo-se a adoção de cláusulas MAC e compensações obrigacionais (sinalagmático) que visam equilibrar tanto o risco do empreendedor como a expectativa de recebimento do vendedor pela venda/permuta do bem imóvel. 

Fatores imprevisíveis podem resultar na perturbação do cumprimento contratual e excepcionalmente reclamar a revisão do trato, seja pela teoria da onerosidade excessiva, seja por menos, pois o desequilíbrio contratual que altere o sinalagma do pacto pode ensejar a renegociação sem a necessidade da presença concomitante de todos os requisitos como (i) advento de obrigação excessivamente onerosa;(ii) com repercução de extrema vantagem para outra parte; (iii) por fato extraordinário e imprevisível, segundo sustentado por Judith Martins Costa (p. 218/219, Crise e perturbações no cumprimento da prestação): 

“Ademais para os contratos sinalagmáticos, o art. 478 (NCC) não ampara a revisão ou qualquer forma de acomodação do contrato às circunstâncias. Sequer as tentativas de, por via hermenêutica, obviar o requisito da extrema vantagem, poderiam auxiliar a encontrar uma solução para o caso de ambas as partes do contrato virem a sofrer excessiva onerosidade em razão do fato da pandemia. A regra resolutiva tem por finalidade proteger o devedor, por meio da inserção, no sistema jurídico, da relevância 0econômica da prestação e distribuição do risco entre as partes, o que significa dizer que, se ultrapassada a álea normal – estabelecida pelo sinalagma ligado ao tipo ou convencionada pelas partes – e observados os demais requisitos legais, nasce o direito formativo extintivo.”  

Neste diapasão, as cláusulas MAC “material adverse change”, utilizadas em negócios de M&A, podem ser usadas nos contratos imobiliários na medida em que a operação também é subdivida em duas etapas principais, notadamente, os arranjos contratuais que vinculam as partes em torno do negócio durante o período que vão analisar a viabilidade legal e econômica do projeto (equivalente ao signing) e, depois, no segundo momento, quando se dão por superados os requisitos de admissibilidade da aquisição operando-se as providências e os efeitos translativos da propriedade e pagamento (closing).

É salutar a previsão contratual que regule o tratamento em caso de alterações significativas capazes de tornar a conclusão do negócio imobiliário menos satisfatório ou com impacto negativo substancial naquilo que foi inicialmente considerado na formação do pacto. Dependendo da magnitude da causa adversa, as partes terão a prerrogativa de não concluir a operação, ou renegociar à luz do princípio da boa-fé contratual. A razão da cláusula é objetivamente delimitar ou excluir hipótese que as partes consideram ser suficientemente relevantes para gerar um dever de revisão contratual ou ajuste do preço, durante o interim period entre o signing e o closing. Na prática, são exemplos de “efeitos materiais adversos” em um empreendimento imobiliário: i) risco de desapropriação da área; ii) inconsistências na metragem perante a prefeitura e a matrícula imobiliária no cartório de registro de imóveis; iii) possibilidade e necessidade de desmembramento ou unificação de área e matrícula para adequação do projeto; iv) aquisição de outorgas onerosas para aumento da capacidade construtiva; v) impedimentos ou remediação ambiental; vi) revisão de viabilidade econômica por limitações construtivas supervenientes.

O incorporador ao realizar a due diligence sobre a situação financeira e jurídica dos vendedores investiga passivos ou impedimentos legais ensejadores de restrições quanto à segurança documental do negócio, especialmente, evitando que a operação caracterize fraude à execução ou fraude contra credores. Já pelo lado do vendedor, além da necessária pesquisa quanto à solvência do empreendedor e sua capacidade de execução do empreendimento como um todo, deverá, ainda, analisar os requisitos necessários para que terceiros garantidores da operação se mantenham vinculados às obrigações pactuadas ao longo de todo o período, afastando hipóteses de rescisão do seguro/fiança por nulidade ou violação contratual pela incorporadora. As figuras externas garantidoras são seguradoras que celebram com as partes contrato de seguro fiança dos pagamentos ou seguro performance bond para garantir a entrega das unidades habitacionais permutadas e, também, Instituições bancárias quando há garantia fidejussória – fiança bancária.

 O empreendedor tem como meta nesta fase inicial obter a transferência da propriedade via escritura pública, sem gravames, para fazer o lançamento do empreendimento, momento em que se torna possível o início da comercialização das unidades futuras e, por esta razão, o vendedor vê seu risco aumentado diante da possibilidade de alguma adversidade prejudicar o regular curso do projeto e dos recebimentos de contraprestação (pagamento do preço), pois a partir deste momento, na maioria das vezes, o proprietário transfere a propriedade sem restrições em troca de um instrumento de confissão de dívida.

Nas permutas imobiliárias, na qual o terrenista troca sua propriedade por área construída no próprio local, os riscos aumentam, face a obrigação da incorporadora entregar o bem infungível no tempo e modo pactuado. E assim, por se tratar de prestações a serem diferidas no tempo, os riscos do negócio podem emergir supervenientemente à assinatura do contrato preliminar atípico (instrumento de promessa de compra e venda com permuta), o que exigirá das partes a disposição de renegociar prazos e valores, haja vista que este tipo de contrato traz em si todas as condições e obrigações de parte a parte, isto é, as principais cláusulas estarão estabelecidas e convencionadas no momento inicial do contrato, e não no ato transferência da propriedade por meio da escritura pública que se dá posteriormente quando ocorrer a translação da titularidade do terreno perante o cartório de registro de imóveis.

A cláusula MAC, prevista no compromisso de compra e venda/permuta (contrato preliminar), impedirá que por ausência de previsão qualquer crise contratual conduza as partes à rescisão, ou seja, mediante o pacto de regras as partes terão a faculdade de renegociar o contrato ajustando o seu equilíbrio econômico-financeiro ou rescindir com bases pré-definidas no que se refere à indenização e multa. Estas métricas podem estipular percentuais de redução de preço para as mudanças mais graves ou mesmo postergação de vencimentos e prazos.

Imperioso que na cláusula MAC as hipóteses prevejam parâmetros objetivos de forma a evitar interpretação extensiva, além de circunstâncias (carve-outs) que não serão consideradas como motivo para deflagrar as cláusulas e efeitos da MAC. Logo, quanto mais claro e pontual for a descrição daquilo que as partes considerarão evento adverso relevante menor as chances de litígio.

Em suma, as partes poderão calibrar seus interesses e limitar os riscos que admitem para manutenção do negócio mediante o ajuste de excludentes a fim de que não haja um entendimento demasiadamente amplo para que qualquer fato possa ser interpretado como material e motivador para obstar o projeto. 

Nesta linha de raciocínio, a convenção de cláusula HARDSHIP representa também uma opção adicional de cláusula cujo mecanismo busca evitar a rescisão contratual, partindo da premissa de preservação do sinalagma; repartição dos custos do fato superveniente; e renegociação como modo de readaptar as partes sem desfazer o negócio. 

Na cláusula HARDSHIP a obrigação é de renegociar quando há uma situação superveniente de onerosidade excessiva, isto é, frente a um fato ou condição concreta em que os contratantes definiram contratualmente como gatilho para cumprir a obrigação mútua de renegociar, logo o inadimplemento é o descumprimento do dever de negociar em uma pauta procedimental como a mediação e não necessariamente a obrigação de chegar-se a uma composição efetiva, cujo inadimplemento, se caraterizado, implementa a omissão na obrigação de fazer e consequentemente favorece a parte prejudicada a pleitear os consectâneos contratuais. Observe-se que tanto a cláusula MAC como a HARDSHIP se apresentam em linha com a legislação pátria no aspecto de balizar os atos jurídicos pelo princípio da boa-fé[1] assim como em observância ao quanto disposto no art. 421-A do NCC que preconiza a liberdade das partes de contratar, tanto quanto às hipóteses legais que possibilitam a revisão contratual pela Teoria da imprevisão art. 317 NCC, Força maior art. 393 NCC, Onerosidade excessiva – desequilíbrio econômico – art. 478, 479 e 480 NCC, e Enunciado 366 do CNJ.

Por fim outro paralelo possível de adaptação do direito estrangeiro e do direito societário para o direito imobiliário é a contratação da cláusula anti-sandbagging como instrumento de proteção ao vendedor, na medida em que impede o comprador, ciente de determinado fato que deprecie o bem imóvel durante a assinatura do contrato preliminar (opção de compra ou compromisso) antes da celebração da escritura pública translativa da propriedade, de realizar a operação e posteriormente pleitear a redução do preço (art. 422 NCC) imbuído de possível má-fé pelo fato de desejar adquirir o bem mesmo com o defeito conhecido previamente pois,  se tal fato fosse suscitado no momento da negociação este elemento fático não seria capaz de reduzir o preço.

Por experiência, militando como advogado, narro uma disputa judicial na qual o comprador (incorporador qualificado) adquiriu importante e estratégica área urbana para unificar outras áreas que já havia adquirido para empreender prédios comerciais. Os vendedores receberam este terreno por herança e não detinham todas as informações precisas sobre a metragem exata do imóvel e planta atualizada. Por outro lado, os vendedores sabiam o grande interesse do comprador e assim não aceitavam reduzir o preço da venda e assim o negócio foi fechado. Entretanto, entre o período em que as partes haviam assinado o termo de opção de compra até a escritura, a incorporadora ao realizar a duediligence identificou que a área registrada na prefeitura era desconforme com a área real, pois o registro público era antigo e não havia sido atualizado com as novas confrontações e alargamento da avenida defronte ao terreno, isto é, a metragem real era menor que aquela constante dos documentos. Após a concretização do negócio em caráter ad-mensuram, foi ajuizada a ação quanti minoris para revisão proporcional e abatimento do preço.

Mutatis mutantis, no direito imobiliário já existe cláusula para impedir este tipo de revisão contratual, como a cláusula ad corpus, na qual o comprador adquire o bem da forma como o encontra fisicamente sem possibilidade de revisão, ocorre que para a compra e venda de terreno sem construção a convenção desta clausula não é comum e também não é bem aceita pelas incorporadoras, porém se houvesse uma cláusula anti-sandbagging no sentido de impedir a utilização de informações precedentes para redução de preço após a venda, os vendedores poderiam ter uma defesa mais robusta ou até arrefecido a intenção do comprador que agiu premeditadamente para reaver parte do preço. Indo mais além, nos negócios imobiliários é factível que o comprador qualificado ao realizar a due-diligence identifique dados e informações sobre o bem imóvel nos diversos órgãos públicos que o proprietário não tem conhecimento, até porque não faz parte da sua expertise acessar registros cadastrais presentes e pretéritos que somente serão utilizados pelo empreendedor. Diante disto, a introdução de cláusula anti-sandbagging é uma opção protetiva, pois o direito de investigação do comprador para avaliação do risco será respeitado, assim como, o vendedor estará seguro de que após o elemento temporal da alienação (escritura), o negócio jurídico restará perfeito e acabado.

Há mecanismos para evitar a rescisão unilateral do negócio jurídico, principalmente quando o stop deal prejudica desproporcionalmente uma das partes. Para impedir o desequilíbrio de forças no momento pós-celebração do instrumento particular de permuta ou de compra e venda imobiliária. Estas ferramentas contratuais encontram fundamento de validade em nosso sistema jurídico normativo, tutelando ainda o direito das partes negociarem sobre direito disponível, como se vê na cláusula “rebus sic standibus” (art. 317 NCC), a exata regulação do direito de resolver o contrato nos termos do art. 475, 478 e seguintes do NCC, com compensações pré-definidas ou execução específica das obrigações (art. 947 NCC e art. 499 CPC), cláusulas penais ou indenização pré-estabelecida (arras art.420 NCC), e suas composições devem ser dosadas conforme o tipo de inadimplemento (relativo ou absoluto) (art. 394 e 397 NCC). 

Em suma, sob a ótica dos negócios imobiliários de grande porte e observando-se a tendência da legislação pátria de respeitar a liberdade contratual e discricionariedade das partes para transigir desde que não viole normas cogentes e princípios do nosso sistema normativo, a adoção de cláusulas como estas acima mencionadas representa avanço na segurança jurídica do negócios, além de trazer alternativas de solução de conflitos, já incorporadas no Brasil, como os procedimentos de mediação e arbitragem.

 

Dr. Remo Battaglia

Advogado, sócio fundador do Battaglia & Pedrosa advogados, possui larga experiência na condução de negociações e litígios empresariais de alta complexidade. Mestrando em Direito dos Negócios pela FGV, Remo também é pós-graduado em Direito Tributário pela PUC/SP, instituição na qual cursou também a Pós-Graduação em Processo Civil. Nos EUA participou do “Program on negotiation” na Universidade de Harvard, além de possuir em seu currículo diversos outros cursos voltados à área negocial e empresarial, como Gestão de Projetos pelo Insper, Direito Imobiliário pelo CEA e Direito Societário pela FGV. Remo é também palestrante e possui diversos artigos publicados.

Contato: remo@bpadvogados.com.br

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