Introdução
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n.º 2.189.143/SP, decidiu que o divórcio pode ser decretado em caráter liminar, ou seja, antes da citação da parte requerida e independentemente do exercício do contraditório. Esta decisão histórica, relatada pela Ministra Nancy Andrighi, representa uma verdadeira revolução no direito de família brasileiro e consolida um novo paradigma processual que há muito era aguardado pela doutrina especializada.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ reconheceu que o divórcio pode ser decretado independentemente da definição da guarda dos filhos, da fixação de alimentos e da partilha de bens, estabelecendo definitivamente o caráter potestativo do divórcio e suas implicações práticas no processo civil contemporâneo.
O Contexto Histórico e a Evolução Normativa
A Emenda Constitucional 66/2010: Marco Inicial da Transformação
A ministra Nancy Andrighi deu razão à autora da ação, com base nas transformações promovidas pela Emenda Constitucional 66/2010, que suprimiu o requisito de prévia separação judicial para o divórcio. Esta emenda constitucional, elaborada com participação ativa do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), eliminou os entraves burocráticos que antes condicionavam o divórcio a prazos mínimos e requisitos formais.
Desde a Emenda Constitucional nº 66/2010, foram eliminados os requisitos de prévia separação judicial por mais de um ano ou de separação de fato por mais de dois anos para a decretação do divórcio, consolidando-se o entendimento de que o divórcio constitui um direito potestativo.
A Caracterização do Divórcio como Direito Potestativo
A caracterização do divórcio como um direito potestativo não é objeto de sólida controvérsia há tempos. Contudo, o que se discutia na jurisprudência era precisamente o momento processual adequado para sua decretação e os requisitos procedimentais necessários.
“Eu estou dizendo que isso é possível, sim, porque o divórcio é um direito potestativo e esse também é um dos objetivos do novo Código, das modificações do novo Código, que é a antecipação parcial do mérito, daquilo que pode ser resolvido, está resolvido”, afirmou a ministra Nancy Andrighi durante o julgamento.
A Decisão do STJ: Análise Técnica e Fundamentos
O Caso Concreto e suas Peculiaridades
No caso concreto, o divórcio foi pedido em uma ação cumulada com fixação de guarda, alimentos e partilha de bens. A solicitação foi feita pela mulher devido a um episódio de violência doméstica cometida pelo marido. Este contexto fático evidencia a urgência social que muitas vezes envolve os pedidos de divórcio, especialmente em situações de violência doméstica.
As instâncias ordinárias negaram a tutela de evidência para decretação do divórcio. Ao STJ, a mulher alegou que se trata de um direito potestativo — ou seja, que pode ser exercido por seu titular sem necessidade de aprovação da outra parte.

Os Fundamentos Jurídicos da Decisão
1. Base Constitucional e Legal
A fundamentação da decisão encontra respaldo nos seguintes dispositivos:
a) Emenda Constitucional 66/2010: Que eliminou os requisitos temporais para o divórcio b) Artigo 356 do Código de Processo Civil: Que autoriza o juiz a decidir parcialmente o mérito quando um ou mais pedidos formulados forem incontroversos, ou estiverem em condições de imediato julgamento
2. A Técnica do Julgamento Antecipado Parcial de Mérito
A decretação do divórcio poderia ocorrer liminarmente por meio do “julgamento antecipado parcial de mérito, diante da desnecessidade de dilação probatória ou contraditório”. Esta técnica processual permite a resolução imediata de questões que não demandam instrução probatória complexa.
“Reconhecendo-se o caráter potestativo do divórcio, a sua decretação pode se dar em julgamento antecipado parcial de mérito, diante da desnecessidade de dilação probatória ou contraditório”, disse a relatora.
3. A Separação entre o Divórcio e seus Consectários
Para a ministra Nancy, embora o divórcio por vezes traga inúmeras questões agregadas, como partilha de bens, fixação de guarda e pagamento de pensão alimentícia, nada impede que seu mérito seja julgado de maneira antecipada e direta.
Esta separação conceitual é fundamental para compreender a decisão: o divórcio em si (dissolução do vínculo matrimonial) constitui questão distinta de seus efeitos patrimoniais e familiares.
A Sistemática Operacional do Divórcio Liminar
Requisitos para Concessão
Para a decretação do divórcio liminar, segundo o entendimento firmado pelo STJ, são necessários:
- Certidão de casamento atualizada
- Manifestação clara de vontade de se divorciar
- Ausência de necessidade de dilação probatória
- Aplicação da técnica do julgamento antecipado parcial de mérito
Procedimento Prático
O divórcio liminar será decretado a partir da manifestação da vontade de uma das partes, sendo a outra comunicada dessa decisão, que é passível de impugnação pela via do agravo de instrumento.
Repercussões Práticas e Benefícios
Vantagens do Novo Paradigma
1. Celeridade Processual
O desmembramento da decretação do divórcio pode evitar que a parte interessada fique aguardando anos para formalizar sua nova situação conjugal. “Às vezes, a parte quer casar logo e precisa dessa separação. Então, uma ação que pode demorar 5, 6, 10 anos de discussão”, completou a ministra Nancy Andrighi.
2. Facilitação do Diálogo entre as Partes
A principal vantagem do divórcio liminar é o rompimento do vínculo simbólico do casamento, facilitando o diálogo entre as partes sobre outros pontos a serem resolvidos judicialmente.
3. Proteção à Dignidade da Pessoa Humana
“A decisão rompe com o último requisito formalista que permitia a recusa injustificada de um dos cônjuges em conceder o divórcio. Quem não quer ficar casado não precisa ficar casado e o direito processual não pode mais ser usado como ferramenta contra a tutela dos direitos”.
Conclusão
A decisão da 3ª Turma do STJ no REsp n.º 2.189.143/SP representa um marco na evolução do direito de família brasileiro, consolidando definitivamente o caráter potestativo do divórcio e estabelecendo nova sistemática processual para sua decretação.
Certamente, o supracitado acórdão redefinirá os contornos do instituto do divórcio no ordenamento jurídico pátrio, promovendo maior efetividade na tutela dos direitos fundamentais relacionados à autonomia da vontade e à dignidade da pessoa humana.
A possibilidade de decretação liminar do divórcio, mediante julgamento antecipado parcial de mérito, atende aos anseios de uma sociedade que busca maior celeridade e eficiência na resolução de conflitos familiares, sem comprometer as garantias processuais fundamentais.
Para a advocacia especializada, esta decisão inaugura possibilidades estratégicas e impõe maior responsabilidade ética na condução dos casos de divórcio. O uso adequado desta ferramenta processual pode significar alívio substancial para cônjuges que desejam encerrar vínculos matrimoniais desgastados, especialmente em situações de violência doméstica ou conflitos conjugais irreconciliáveis.
Por fim, cumpre destacar que esta evolução jurisprudencial alinha o direito brasileiro às tendências contemporâneas de proteção aos direitos humanos e de reconhecimento da autonomia privada nas relações familiares. “Na prática, portanto, o casal se divorcia já no início do divórcio litigioso e o processo segue para resolver as questões que decorrem do rompimento da relação, tais como partilha e pensão”.
A decisão do STJ não somente moderniza o processo de divórcio, mas reafirma o compromisso do Poder Judiciário com a efetividade da tutela jurisdicional e com a proteção da dignidade humana nas relações de família. Resta agora acompanhar como esta nova sistemática será aplicada pelos tribunais de todo o país e quais desenvolvimentos futuros ela ensejará na legislação e, na prática forense.
O presente artigo reflete análise jurídica baseada no REsp nº 2.189.143/SP e na legislação correlata vigente. Para casos específicos, recomenda-se sempre a consulta individualizada a profissional especializado.