Direito Médico: O Equilíbrio entre Direitos e Deveres na Relação Médico-Paciente em Casos de Recusa Terapêutica

Direito Médico: O Equilíbrio entre Direitos e Deveres na Relação Médico-Paciente em Casos de Recusa Terapêutica

Relação Médico Paciente

Encontrar o equilíbrio entre os deveres do médico de seguir o estabelecido em lei e regulamentação específica, inclusive, Código de Ética Médica, com o direito individual de interesse do paciente, é um desafio para o Direito quando relacionado à área da saúde. Com a modernização da medicina e o desenvolvimento de tecnologias avançadas para o diagnóstico e tratamento de doenças, muitas vezes a relação entre o médico e o paciente é negligenciada. Um exemplo atual deste desafio é o caso dos Testemunhas de Jeová, que recusam tratamento médico por motivos religiosos, sendo este o objeto de estudo e discussão do presente artigo.

Discussão: Relação Médico-Paciente na prática da recusa terapêutica

O equilíbrio discutido na relação médico-paciente, por vezes, volta-se a questões como escolha de tratamentos, tomada de decisões clínicas, conflitos de interesses e garantia à segurança e preservação da vida do paciente.


Embora estejamos em um período de avanços tecnológicos e acesso a informações, com modernização da medicina na conclusão de diagnósticos e cura, não é razoável se descaracterizar a importância da relação entre o médico e o paciente, garantindo-se uma abordagem médica que dê importância a aspectos técnicos e científicos do tratamento, ao tempo que haja empatia e compaixão para o paciente, visando não só a cura, mas o ser humano que está por trás da doença.

O Caso das Testemunhas de Jeová:


Um exemplo claro e atual a ser citado são os pacientes Testemunhas de Jeová, que são contra a transfusão de sangue por motivo de crença religiosa. Eles acreditam na proibição da ingestão de sangue sob qualquer razão e que a vida é um dom de Deus, logo, ao fazer a transfusão de sangue estariam interferindo na vontade divina de preservá-la.


Em situações em que a vida do paciente está em risco, a princípio, a equipe médica poderá precisar tomar medidas arriscadas para preservar a vida do paciente, e em casos de Testemunhas de Jeová, tais medidas poderiam se dar mesmo contra a vontade do paciente.


É neste momento que o Direito deve entrar para buscar e impor um equilíbrio entre o direito individual do paciente de recusar tratamento médico por motivos pessoais ou médicos e o dever da equipe médica de preservar a vida.

Constituição Federal e Código de Ética Médica – Direito à Vida x Autonomia do Médico


Conforme consta no Art. 5° da Constituição Federal, o direito à vida é fundamental, inviolável e deve ser protegido.


Subordinado à Constituição Federal e à legislação brasileira, temos o Código de Ética Médica, atual Resolução Normativa 2.217/2018 do Conselho Federal de Medicina – CFM, que reafirma os direitos dos pacientes, a necessidade de informar e proteger a população assistida, tendo como base que a medicina deve equilibrar-se entre estar a serviço do paciente, da saúde pública e do bem-estar da sociedade. O imperativo é a harmonização entre os princípios das autonomias do médico e do paciente.
Isso se materializará na tomada de decisões profissionais, quando, de acordo com os ditames de sua consciência e as previsões legais, o médico aceitar as escolhas de seus pacientes relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos propostos. E também na proibição de que deixe de obter o consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em iminente risco de morte.


O Código de Ética Médica, inclusive, veda ao profissional médico “Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.


Em paralelo, o Conselho Federal de Medicina – CFM promulgou em 2019 resolução normativa sobre a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação médico-paciente.
Quando temos casos de pacientes que recusam tratamento médico por motivos religiosos, abre-se uma discussão para submetê-los ou não a um tratamento sem seu consentimento e que viola sua crença individual. No caso dos Testemunhas de Jeová, por exemplo, eles buscam a “salvação” após a morte e ao “pecar” – pela transfusão sanguínea, não podem obter a sua salvação e receber a vida eterna (espiritual) de Deus.

E COMO O MÉDICO PODE AGIR DIANTE DESSA RECUSA?”


Assim, considerando que o médico tem o dever de preservar a vida do paciente, como princípio fundamental da ética médica, independentemente das suas crenças religiosas, políticas ou sociais, é que o Direito vem intervindo. E um exemplo claro dessa intevenção é a aludida da Resolução Normativa do CFM, 2.232/2019, que define “A recusa terapêutica é, nos termos da legislação vigente e na forma desta Resolução, um direito do paciente a ser respeitado pelo médico, desde que esse o informe dos riscos e das consequências previsíveis de sua decisão.”


Inclusive, o médico, diante da recusa terapêutica, poderá propor outros tratamentos disponíveis, se eletivo, ou, em caso de discordância insuperável dessa relação entre tratamento médico e interesse pessoal do paciente, devem ser acionadas autoridades competentes.

Em casos de urgência/emergência, que caracterizarem iminente perigo de morte, o médico deve adotar todas as medidas necessárias e reconhecidas para preservar a vida do paciente, independentemente da recusa terapêutica.


Assim, tem-se a relação médico-paciente como uma linha tênue entre direito à vida e direito personalíssimo, que deve ser acompanhada com empatia, respeito e cuidado, posto não se buscar macular qualquer dos direitos envolvidos.

Conclusão

Em suma, muitas vezes, os deveres dos médicos e os direitos dos pacientes conflitam entre si e, por isso, é essencial que o Direito e a ética profissional sejam considerados na prática médica para garantir a proteção dos direitos do paciente e, ao mesmo tempo, cumprir os deveres dos médicos em preservar a vida e a saúde.


Conclui-se, pois, que as relações devem basear-se no respeito mútuo, buscando sempre o interesse e o bem-estar do paciente, considerando-se o direito do paciente de decidir livremente sobre o que convir na medida da preservação da sua vida e integridade, sendo as atuais regulamentações do Direito uma relevante conquista da sociedade brasileira materializada na Constituição Federal, nas leis em geral e no Código de ética Médica, reforçando o compromisso da justiça com o respeito à dignidade da pessoa humanda e atendendo a uma antiga demanda de médicos e pacientes.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Resolução CFM Nº 2.232 de 16 de setembro de 2019. Estabelece normas éticas para a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação médico-paciente. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 17 jul 2019. Seção I, p. 113-4.

Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018 , modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019 / Conselho Federal de Medicina – Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2019.

CRM PR. Autonomia do paciente: desafios para o Direito e para a Bioética.
Disponível em:
https://www.crmpr.org.br/Autonomia-do-paciente-desafios-para-o-Direito-e-para-a-Bi oetica-13-55800.shtml. Acesso em: 10 fev. 2023.

MÉDICA S/A. Conduta médica com paciente testemunha de Jeová. Disponível em: https://medicinasa.com.br/conduta-testemunha-jeova/. Acesso em: 10 fev. 2023.

SBCM. A importância da Relação Médico-Paciente. Disponível em: https://www.sbcm.org.br/v2/index.php/artigos/2526-a-importancia-da-relacao-medico
-paciente#:~:text=A%20rela%C3%A7%C3%A3o%20m%C3%A9dico%2Dpaciente% 20%C3%A9,intera%C3%A7%C3%A3o%20verdadeira%2C%20n%C3%A3o%20exis te%20Medicina.. Acesso em: 9 fev. 2023.

Natassia Monte

Advogada em Battaglia & Pedrosa Advogados. Especialista em Direito Médico e Saúde. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Estado do Piauí. Pós graduada em MBA Executivo de Gestão em Saúde Suplementar, Programa de Formação em Direito Médico e Pós Graduação em Direito Constitucional Contemporâneo. Fundadora da Associação de Direito Médico do Estado do Piauí. Presidente e Membro de Comissões na OAB/PI. Membro Convidada de Comitês e Eventos na área do Direito Médico e Saúde Suplementar.

natassia@bpadvogados.com.br
Fabiane Cuzziol
fabiane@bpadvogados.com.br

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