Diretrizes Atuais para Admissão de Médicos em Cooperativas de Saúde: Uma Análise à Luz do Tema 1212 STJ

Diretrizes Atuais para Admissão de Médicos em Cooperativas de Saúde: Uma Análise à Luz do Tema 1212 STJ

Admissão de Médicos em Cooperativas de Saúde

Admissão de Médicos em Cooperativas de Saúde

O Superior Tribunal de Justiça afetou, em 30/08/2023, os Recursos Especiais nº 2.033.484/SP e 2.033.992/SP, como paradigmas da controvérsia repetitiva descrita no Tema 1212 – STJ.

Conforme expressa previsão legal, recurso repetitivo é aquele que será julgado em representação a um grupo de recursos especiais que tenham teses idênticas, ou seja, não tratam sobre as individualidades factuais de cada caso, mas tão somente observam a questão de direito que é a mesma para diversos casos.

O que diz o Código Civil?

A sistemática dos recursos repetitivos está descrita no Código de Processo Civil, nestes casos a Corte Superior, cumprindo sua função precípua de uniformizar a interpretação da legislação federal, define uma ou mais teses que devem ser aplicadas aos processos em que se discutem questões de direito análogas.

O art. 1.036 do CPC de 2015 prevê que sempre que houver multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica controvérsia, haverá a afetação do Tema para análise do mérito recursal, através dos recursos paradigmas, selecionado de forma que possam representar a controvérsia.

Nestes casos, o processo a ser julgado como repetitivo pode ser encaminhado pelos tribunais de origem como representativo de controvérsia, como prevê o art. 256-I do RISTJ ou pode ser escolhido um recurso já em tramitação, como ocorre no caso do Tema 1212, em que foram escolhidos os Recursos Especiais nº 2.033.484/SP e 2.033.992/SP.

A legislação processual prevê que, havendo a afetação do tema pela sistemática do incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR, os demais recursos sobre a mesma matéria devem ter a tramitação suspensa. Então, somente, após afetação, julgamento e publicação da decisão colegiada sobre o tema repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça a mesma solução será aplicada aos demais processos que estiverem suspensos na origem.

Aplicação do Tema 1212 do STJ

No caso do Tema 1212 se verifica que não há expressa determinação de suspensão dos processos pendentes, individuais ou coletivos, contudo, a própria Corte Superior em recentíssimo julgado deliberou pela suspensão do julgamento do Recurso Especial 2090121, sob relatoria da Ministra Mancy Andrighi até julgamento do paradigma.

Há que se reconhecer que a sistemática dos recursos repetitivos tem o claro objetivo de concretizar os princípios da segurança jurídica, e isonomia de tratamento às partes processuais. Afinal, pretende atribuir interpretação uníssona sobre a questão de direito em pauta.

Em termos práticos, acompanhar o julgamento do tema 1212 e requerer a suspensão dos processos em andamento é medida de extrema relevância para as Cooperativas atuantes na Saúde Suplementar, isso porque a questão submetida a julgamento é a legalidade da exigência de aprovação em processo seletivo e a possibilidade de limitação do número de vagas para o ingresso do profissional no quadro da cooperativa médica.

Cooperativas de Saúde e a abertura dos processos seletivos

Periodicamente as cooperativas de saúde abrem processos seletivos para o ingresso de novos profissionais. Nesse contexto, o processo seletivo é um dos requisitos necessários para o ingresso dos novos cooperados sendo, via de regra, publicados editais que preveem outros requisitos para viabilizar a seleção dos candidatos, através de uma sistemática de pontuação.

Os certames editados podem prever, ainda, a limitação do número de vagas, considerando, a necessidade daquela cooperativa, sobretudo porque a prestação de serviços não pode ser deficitária, seja pelo excesso de profissionais ou sua falta, levando-se em consideração o equilíbrio financeiro da entidade e a demanda de mercado no local em que aquela cooperativa está inserida.

Ocorre que a questão é controversa em virtude da interpretação que é dada à Lei do Cooperativismo, isso porque, da análise do art. 4º, I, da Lei 5.764/71, tem-se ilimitado o número de associados que podem aderir aos quadros das cooperativas.

Nesse contexto, de um lado da discussão estão aqueles que pretendem ingressar nas cooperativas de saúde, que exigem uma interpretação plena dos princípios da livre associação e da “Porta aberta” e de outro, as próprias cooperativas de trabalho médico que pretendem através dos processos seletivos garantir o equilíbrio econômico-financeiro da entidade.

Até a afetação do tema, há que se observar que a jurisprudência da Corte Superior era no sentido de ser lícita a previsão em estatuto acerca da necessidade de prévia aprovação em processo seletivo como requisito para o ingresso em Cooperativa de Trabalho Médico, bem como, a limitação, de forma impessoal e objetiva, do número de vagas no processo seletivo.

Contudo, conforme se verifica da decisão proferida no ProAfR no REsp 2033484 o posicionamento divergente adota posicionamento diametralmente oposto, observando a previsão legal que garante número ilimitado de associados, fundamentando-se, justamente, nos princípios já mencionados.

Violação do “Princípio das portas abertas”

Observa-se, nesse contexto, o posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que é o estado da federação com maior número de cooperativas no setor da saúde[1], que através dos Enunciados do Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial manifestou entendimento no sentido de que a exigência de aprovação em processo seletivo violaria o princípio das portas abertas.

Em contrapartida, contudo, há que se reconhecer que o texto legal dá, efetivamente, autonomia às cooperativas para que ocorra a limitação, conforme prevê o art. 29, § 1° da Lei nº 5.764/71

Art. 29. O ingresso nas cooperativas é livre a todos que desejarem utilizar os serviços prestados pela sociedade, desde que adiram aos propósitos sociais e preencham as condições estabelecidas no estatuto, ressalvado o disposto no artigo 4º, item I, desta Lei.

§ 1° A admissão dos associados poderá ser restrita, a critério do órgão normativo respectivo, às pessoas que exerçam determinada atividade ou profissão, ou estejam vinculadas a determinada entidade.

O capítulo do texto legal que versa sobre os associados, indica de forma expressa que é possível restringir a admissão de associados, não havendo que se falar, portanto, que o princípio da “Porta Aberta” seja absoluto. Não se ignora, ainda, que o art. 21, inciso II do mesmo diploma legal indica que o estatuto das cooperativas deverá prever as condições de admissão.

Ora, se há condições de admissão não há, de fato, que se falar em possibilidade de associação irrestrita. Adotar tal posicionamento, ao que nos parece, de fato, seria colocar a viabilidade das cooperativas em risco, afinal, os serviços devem ser prestados com qualidade técnica, devendo ser vantajoso também para os próprios cooperados.

Liberdade de Gestão

A liberdade de gestão assegurada no ordenamento jurídico visa garantir a melhor prestação de serviços e manter a qualidade técnica dos serviços médicos que são prestados. De sorte que estas questões também devem ser observadas quando do julgamento do Tema 1212, justamente por seus efeitos parcialmente erga omnes.

As Operadoras de Saúde, de seu turno, enquanto aguardam o julgamento da controvérsia devem observar os procedimentos já em andamento, considerando a necessidade de pedir a suspensão do andamento destes processos judiciais, a fim de garantir um julgamento isonômico aos casos em concreto.


[1] https://anuario.coop.br/ramos/saude

Dra. Ana Lívia Brum

Advogada do Battaglia & Pedrosa Advogados. Atuante no Direito à Saúde, Empresarial e Tributário. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo – UNASP EC. Especialista em Gestão Tributária pela Universidade de São Paulo – USP Esalq.

analivia@bpadvogados.com.br

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