Rol da ANS: visão do STJ e do Poder Legislativo

Rol da ANS: visão do STJ e do Poder Legislativo

Rol da ANs

Rol da ANS

No final do primeiro semestre de 2022 observamos uma grande movimentação no setor da saúde suplementar, consistente no julgamento, pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, de recursos que envolviam a discussão sobre o caráter exemplificativo ou taxativo do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, desencadeando manifestações de todos os tipos e dividindo opiniões, além de provocar o Poder Legislativo para análise do tema.

O que é o Rol da ANS?

O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, chamado de “Rol da ANS”, atualmente trazido pela Resolução Normativa n° 465/21, contempla os procedimentos cuja cobertura é indispensável para os planos e seguros saúde contratados a partir da vigência da Lei n° 9.656/98 (Lei de Planos de Saúde) ou que, embora tenham sido firmados em data anterior, foram adaptados à referida lei, sendo periodicamente atualizado para inclusão de novas tecnologias.

“Procedimentos em saúde” é um conceito amplo, que contempla consultas, exames, terapias, cirurgias, medicamentos, órteses, próteses e materiais especiais, tratamentos realizados em âmbito hospitalar, ambulatorial e domiciliar.

A atualização do Rol da ANS ocorre periodicamente, haja vista a incorporação de novas tecnologias na prática da assistência à saúde, que são reconhecidas pelos órgãos governamentais e comunidade médica com o avanço científico.

A atualização ocorre nos moldes descritos na Resolução Normativa n° 470/21 da ANS, comportando etapas administrativas e técnicas, com apresentação de propostas, análise de elegibilidade, análise técnica com discussão em reuniões, consulta pública e, por fim, com a decisão favorável ou não à incorporação, dada pela Diretoria Colegiada da agência reguladora de forma semestral.

Exemplificativo x taxativo

Muitos se questionam qual o sentido e consequências de se considerar o Rol da ANS exemplificativo ou taxativo.

Em linhas gerais, no direito, considera-se exemplificativo o que não esgota em si mesmo todo o seu alcance, constituindo apenas uma indicação ou referência do que pode ser considerado dentro da sua abrangência, admitindo-se interpretações extensivas, para atingir também outras hipóteses análogas ou de mesma natureza.

Dessa forma, considerar o Rol da ANS exemplificativo significa dizer que os procedimentos descritos constituem um conjunto mínimo de coberturas que devem ser garantias pelas operadoras, sem prejuízo de outras que eventualmente venham a ser objeto de prescrições ou solicitações de profissionais da saúde.

Por outro lado, considera-se taxativo tudo aquilo que não admite inclusões para além do que se encontra expressamente previsto, de modo que sua abrangência se encontra delimitada através do seu próprio conteúdo.

Assim, o Rol da ANS, se considerado taxativo, implicaria na obrigação de cobertura, pelas Operadoras, somente daquilo que está listado pela agência reguladora e de acordo com suas diretrizes de utilização. Eventuais procedimentos não contemplados no Rol da ANS não teriam o custeio garantido pela Operadora.

A decisão do STJ

O STJ é o órgão responsável por julgar questões que envolvam a interpretação de Lei Federal, como ocorre com a Lei n° 9.656/98 e a Lei n° 9.961/00, que criou a ANS.

A questão relativa à obrigatoriedade de cobertura de um determinado procedimento é constantemente levada ao Poder Judiciário, na qual um beneficiário pleiteia a autorização e custeio de um tratamento ou exame e a Operadora, por sua vez, nega, sob a justificativa de ausência de previsão no Rol da ANS.

Através dos Recursos de Embargos de Divergência de números 1.704.520 e 1.889.704, o STJ foi chamado a se pronunciar sobre essa polêmica discussão que, até então, dividia as 3ª e 4ª Turmas, que compõem a 2ª Seção do órgão.

Por maioria de votos, firmou-se o entendimento de que o Rol da ANS é, em regra, taxativo, de modo que as Operadoras não estão obrigadas a arcar com tratamento que não esteja expressamente previsto se existe, para cura do beneficiário, outro procedimento eficaz e seguro já incorporado na listagem.

Os Ministros que votaram a favor da taxatividade do Rol da ANS foram Luis Felipe Salomão, Villas Bôas Cueva, Raul Araújo, Marco Buzzi, Marco Aurélio Belizze e Isabel Gallotti. Contra a taxatividade do Rol e, portanto, a favor do seu caráter meramente exemplificativo, votaram Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro.

As exceções

Discussões de tal natureza dificilmente encontram solução simples, exigindo dos julgadores a adoção de posicionamentos que considerem situações excepcionais.

No caso do Rol da ANS, é possível que o beneficiário contrate coberturas adicionais para procedimentos não previstos, mediante ajuste a ser realizado com a operadora.

Além disso, para os casos em que não há substituto terapêutico para tratamento ou exame a ser realizado pelo beneficiário, ou mesmo quando esgotados os procedimentos do rol, pode haver, a título excepcional, cobertura pela operadora, desde que:

  1. Não tenha sido indeferida expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao rol;
  2. Haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências;
  3. Haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais e estrangeiros, tais como a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde – Conitec e o Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário – NatJus; e
  4. Seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional dos magistrados com entes ou pessoas com expertise técnica na área de saúde, incluída a comissão de atualização do rol de procedimentos em saúde suplementar.

A movimentação do Poder Legislativo

Após o julgamento realizado pelo STJ, foi aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em agosto de 2022, o Projeto de Lei – PL n° 2.033/22, que estabelece a cobertura obrigatória, pelas operadoras, nas hipóteses prescrição de tratamentos ou solicitação de exames que não estão incluídos no rol, se existir comprovação da eficácia e recomendações do CONITEC ou órgão de renome internacional.

Com a aprovação pelas Casas Legislativas Federais, o projeto segue para sanção presidencial.

E agora, como fica?

Importante ressaltar que a decisão dada pelo STJ, embora represente forte precedente e um marco importantíssimo na saúde suplementar em decorrência do número de ações que são ajuizadas para a mesma discussão, não é vinculante, isto é, não obriga os demais membros do Poder Judiciário a adotar o mesmo entendimento.

Com isso, muitas decisões têm sido proferidas de forma contrária ao entendimento firmado pelo STJ, justamente pelo seu caráter não vinculante, deixando a critério do magistrado a adoção do posicionamento que lhe parecer adequado ao caso, desde que devidamente fundamentado.

Sendo sancionado, pelo Presidente da República, o PL n° 2.033/22, sua observância será obrigatória pelo Poder Judiciário a partir da vigência da Lei.

Considerando a situação atual, na qual o trâmite legislativo ainda está acontecendo, a decisão do STJ é vista com bons olhos pelas operadoras, na medida em que permite que a obrigatoriedade de cobertura do procedimento seja melhor discutida no âmbito judicial.

O que se via – e ainda se vê – na prática forense, é que a prescrição do procedimento pelo profissional de saúde era suficiente para que a operadora fosse obrigada a custeá-lo.

Não é dada à operadora a oportunidade de analisar a fundo a adequação da prescrição feita pelo profissional de saúde que, diga-se, possui autonomia para a condução do tratamento do seu paciente, mas deve ser permitida a discussão sobre a existência de previsão e obrigação contratual de cobertura do procedimento, preservando o equilíbrio econômico-financeiro entre as partes.

Dessa forma, a decisão do STJ serve, ao menos por ora, como importante base para que as operadoras possam buscar não só a manutenção do equilíbrio contratual, mas também a proteção dos demais beneficiários que contam com a cobertura dos procedimentos contratados, de forma que não fiquem desamparados e sem atendimento pelos impactos que a necessidade de deslocamento de recursos para custeio de tratamentos que não estão previstos no Rol da ANS, sem critérios, possa causar.

Dra. Patricia Dantas

Advogada integrante do escritório Battaglia & Pedrosa Advogados, formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Direito Civil pela Escola Paulista da Magistratura e em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito. Cursando MBA em Gestão Jurídica da Área da Saúde e Hospitalar.

Contato: patricia@bpadvogados.com.br

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