Você sabia que o consumidor pode ser indenizado pelo tempo perdido na reclamação de um produto ou serviço?

Você sabia que o consumidor pode ser indenizado pelo tempo perdido na reclamação de um produto ou serviço?

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Tempo Perdido Reclamação

As relações de consumo já são parte inerente do dia a dia da população brasileira e, com a proximidade do Dia das Mães, precedido da Páscoa, as compras aumentam de maneira exponencial.

Com isso, apesar de os presentes trazerem alegria às famílias no período de celebração, também pode haver o efeito completamente contrário quando aquele produto adquirido apresenta vícios ou até mesmo quando a compra realizada de maneira virtual sequer chega até a residência do consumidor.

Neste contexto, um dos principais fatores que causa indignação, estresse e abalo emocional está relacionado com o tempo gasto buscando uma resolução ao problema em detrimento do tempo útil que poderia ser utilizado de maneira mais proveitosa.

Tudo começa com uma ligação à empresa, em que o consumidor passa horas tentando resolver o problema. Posteriormente a conversa se encerra e se inicia a troca de dezenas de e-mails para solucionar a parte burocrática. Por fim, o serviço de atendimento ao cliente da empresa inicia uma nova conversa via WhatsApp, em que se passam dias de diálogos, os quais, muitas vezes, possuem o único objetivo de ganhar tempo para a empresa e ludibriar o consumidor. Após um mês de tratativas, o cliente percebe que não haverá uma solução e que perdeu horas ou até mesmo dias de estudo, trabalho, lazer com a família, atividade física e entretenimento pessoal por culpa exclusiva da empresa.

Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor

Por isso, foi criada na doutrina e absorvida pela jurisprudência a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, também chamada de Teoria do Tempo Perdido, a qual sustenta que todo tempo desperdiçado pelo consumidor com a busca pela solução de problemas gerados por maus fornecedores deve ser indenizada e integrará os danos morais.

A teoria em questão foi criada e desenvolvida tendo em vista que muitas vezes o dano experenciado pelo consumidor era visto como mero aborrecimento não indenizável. Ou seja, o cliente poderia perder horas de sua vida buscando uma solução extrajudicial com a empresa e não receberia qualquer compensação tendo em vista o diminuto grau do abalo psíquico.

De acordo com o doutrinador Marco Dessaune[1], a jurisprudência ultrapassada entendia que o consumidor, ao enfrentar problemas, não experenciava nada além de mero dissabor. Porém, tal raciocínio foi construído sobre premissas equivocadas. A primeira delas é que o dano moral estaria relacionado estritamente com consequências emocionais da lesão, enquanto, na verdade, evoluiu para resguardar quaisquer atributos da personalidade humana – inclusive o tempo útil. A segunda é que, nos eventos de desvio produtivo, o principal bem ou interesse jurídico atingido seria a integridade psicofísica da pessoa consumidora, enquanto, na realidade, são o seu tempo vital e as suas atividades existenciais. A terceira é que esse tempo existencial não seria juridicamente tutelado, enquanto, na verdade, ele se encontra resguardado tanto no elenco exemplificativo dos direitos da personalidade quanto no âmbito do direito fundamental à vida.

Portanto, com a consideração da Teoria do Desvio Produtivo na equação do dano moral, passou-se a indenizar aqueles consumidores que despenderam tempo exacerbado de suas vidas buscando uma solução para o problema decorrente da má atuação da empresa.

A importância de comprovar o tempo perdido na reclamação

Na prática, ao requerer a indenização com fundamento do desvio produtivo, é de extrema importância que o consumidor apresente conjunto probatório suficiente a demonstrar de forma efetiva que foi despendido tempo além do ordinário com a tentativa de resolução do problema. Ou seja, não basta que a parte somente afirme acerca do dano temporal, sendo necessário juntar documentos como: registro de ligações telefônicas extraído da fatura ou diretamente do celular, trocas de e-mails, protocolos de atendimento, troca de mensagens via redes sociais etc.

Quanto mais documentos puderem ser apresentados, maiores as chances de procedência do pedido de danos morais, bem como maior o valor da indenização pleiteada.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Superior Tribunal de Justiça é pacífica ao aplicar a teoria para conferir a indenização. Vejamos:

[…] Soa como um verdadeiro prêmio ao descaso, ser condenada a empresa a, apenas e tão somente, entregar o que prometeu, sem nenhum ônus pelos desgastes causados, aí incluída a necessidade de propositura de ação judicial. Além da frustração suportada pelo atraso, é tomada a pessoa por absoluto sentimento de impotência após persistir o problema, revelando-se indiscutível a perda de um tempo útil de sua vida. Na prática, situações como a presenciada nestes autos levam a parte a ter que sair de sua rotina diária, de sua zona de conforto, privando-se de poder se dedicar a seus afazeres cotidianos, de usufruir dos prazeres da vida, para perder seu tempo e gastar energia buscando solucionar problemas a que não deu causa vez que decorrentes da conduta negligente da empresa. Sentimentos de impotência, frustração e indignação, que extrapolam o mero dissabor e ensejam condenação pecuniária. Dano moral mantido. Valores fixados com esteio nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade abaixo do praticado nos precedentes mais atuais. Sentença mantida. Honorários majorados. RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 0205724-75.2012.8.26.0100; Relator (a): L. G. Costa Wagner; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 14ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/05/2022; Data de Registro: 31/05/2022)

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A proteção contra a perda do tempo útil do consumidor deve, portanto, ser realizada sob a vertente coletiva, a qual, por possuir finalidades precípuas de sanção, inibição e reparação indireta, permite seja aplicada a teoria do desvio produtivo do consumidor, que conduz à responsabilidade civil pela perda do tempo útil ou vital. (REsp n. 1.929.288/TO, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/2/2022, DJe de 24/2/2022.)

Deste modo, conclui-se pela indiscutível possibilidade de ajuizamento de ação judicial pleiteando danos morais com fundamento na Teoria do Desvio Produtivo quando o consumidor despendeu vultuoso tempo buscando a resolução de um problema causado pela má atuação da empresa. Assim, este deve apresentar ao juízo provas concretas de todos os contatos e tentativas de solução realizadas junto ao estabelecimento a fim de comprovar suas alegações e influenciar positivamente o convencimento do magistrado.


[1] DESSAUNE, Marco. Teoria Aprofundada do Desvio Produtivo do Consumidor: uma visão geral, in Revista Luso-brasileira de Direito do Consumo, vol. VII, n. 28

Leonardo Machado

Graduado em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduando em processo civil pela mesma instituição. Atuação no contencioso cível com foco em direito médico e consumerista.

leonardo@bpadvogados.com.br

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